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terça-feira, junho 18, 2013

Mao Tsé-Crato e o Grande Salto em Frente

Nuno Crato não é fascista, nem sequer protofascista, afirmo-o eu aqui.

Com a confusão que armou ontem à volta da greve dos professores, tentando um óbvio braço de ferro que jogava com o medo dos professores e a fragilidade dos alunos mas que, na prática, apenas pretendia mostrar quem manda, Crato esclareceu, finalmente, que continua maoísta como na sua juventude.

Ao chegar ao governo deve ter-se convencido que ia fazer com que a Educação, neste país, desse finalmente o Grande Salto em Frente.

Se Mao Tsé Tung mandou apanhar e entregar ao Estado todo o prego, parafuso e asa de tacho para com eles fazer fazer aço, já o patrão Crato convocou todos os seus funcionários para fazer os exames.

O aço de Mao Tsé Tung não era aço, era uma grande bosta.
Uma grande bosta é, também, a actuação de Nuno Crato.

Apesar do enorme falhanço do Grande Salto em Frente, que matou muitos milhões de chineses, Mao manteve-se no poder.
Crato também.

Mas um dia Mao morreu, e hoje a China sabe fazer aço.
Crato também não durará muito mais (na pior das hipóteses, dois anos).

Nada é eterno, mas é absolutamente seguro que todos os países, em algum momento da sua história, vivem tempos negros com governantes miseráveis.
Depois, geralmente, passa.

Nota: Imagem roubada ao blogue AventarNuno Crato, a dama de lata


segunda-feira, junho 17, 2013

Um dia especial com a professora da “banana”

Dia de exames, dia de greve, dia de controvérsia.

Entre os meus e os dos meus filhos vivi umas boas dezenas de dias de exames. Sei como são dias especiais.

Porém, de todos esses exames, o que sempre recordo com um sorriso, é o meu exame de admissão ao Liceu que era, à época, vivido como um importantíssimo dia nas nossas vidas.

As provas faziam-se no próprio Liceu e, em boa verdade, não posso dizer que me lembre de tudo, mas lembro-me, por exemplo, que a minha mãe me vestiu e calçou com esmero para aquela solenidade.

A minha mais viva lembrança vai para a prova de ditado, sempre muito temida porque não se podia dar mais que um ou dois erros, sob pena de se chumbar e de se ficar logo com a carreira estragada; um pouco como o Crato quer fazer agora – és burro? vais para canalizador já (modelo alemão, e modelo jurássico do próprio Crato).

A professora do Liceu que estava a fazer as provas na minha sala era, de certeza, uma mulher mais nova do que eu sou hoje, mas guardo dela uma imagem de senhora de idade, com pernas grossas em cima duns saltos altos, e cabelo penteado ao estilo daquilo que se chamava “banana”.

Era muito cuidadosa e ditava pausadamente, com ritmo lento e repetindo bastantes vezes.
O diabo é que a senhora era “do Norte”, e estava ali, no meio do meu Alentejo, a fazer-me o ditado com a sua “pronúncia do Norte”.

Lá para meio do texto, a senhora disse “ulhando o campo”. Eu nunca tinha ouvido tal palavra, achei que seria “olhando o campo” mas ela insistia tanto, disse tantas vezes a palavra e com tanto cuidado que eu, depois de inúmeras hesitações, acabei por me decidir e escrevi mesmo “ulhando”.

Pois se ela era a senhora professora e já tinha pronunciado a palavra algumas dez vezes, eu é que devia estar com falha de preparação.
Não estava, mas como esse foi o meu único erro, safei-me.

 
Nota: era bom que alguém explicasse aos alunos que hoje não puderam fazer exame que foi por uma boa causa, e que há questões de cidadania que não têm que ver com o “safar-se” de cada um.

quinta-feira, maio 09, 2013

Levai a Crato as criancinhas

Os nossos comentadores geralmente conotados com o pensamento de direita têm-se empenhado bastante em demonstrar que os exames do 4º ano são uma bênção para a educação que, Deus nos acuda, tem andado entregue a um bando de incompetentes de esquerda.

Se eu fiz eles também podem fazer.
Se ficam nervosos, habituem-se.
É este o discurso, que me parece pobre como justificação.
Se é certo que temos exagerado um bocado no experimentalismo educacional, é também certo que ele não tem impedido a aprendizagem; vejam-se os milhares de jovens licenciados que, recentemente emigrados, têm encontrado trabalho compatível com as suas habilitações em muitos países que lhes louvam a excelente formação, desfazendo, duma penada, os discursos do “não sabem nada” e do “ter um curso não adianta”.

Sou da geração que fez todos os exames, começando na 4ª classe e até ao fim dos estudos.

Esse exame, aos 10 anos, serviu-me para alguma coisa?
Sim, serviu para ter medo – medo do poder e medo de falhar.

Incutir medo logo cedinho era uma estratégia que muito convinha à ditadura, que o acompanhava como o “encornanço” acéfalo das matérias do livro único. Assim se começava a garantir um rebanho pacífico e acrítico com consequências colectivas que ainda hoje se fazem sentir.

Ir para a escola e aprender sem medo foi uma conquista de Abril, de que os meus filhos usufruíram.
Não fizeram exame no 4º ano mas não estudaram menos que eu, ao contrário, e nem sabem menos que eu, ao contrário também.

Mas, como diria a outra, isso agora não interessa nada; Crato tem a sua agenda própria e quer cumpri-la, ainda que ela nos faça retroceder meio século.
Se o deixarmos ficar lá muito mais tempo, talvez ainda o vejamos a ordenar o regresso do crucifixo e da reza matinal à sala de aula.

 

segunda-feira, julho 16, 2012

Os professores


Confesso que tenho por hábito não perder nada do que António Guerreiro escreve no Atual do Expresso e, que me lembre, as minhas expectativas nunca saíram defraudadas.

Na última edição do jornal, escreve um longo artigo em que analisa os exames do 12º ano, a que deu o título “Os exames e a comédia do rigor”.

É um texto que merece ser lido por todos, os que estão no sistema de ensino e os que estão de fora mas que gostam de opinar sobre o que não conhecem.

Como declaração de interesses, esclareço que nunca fui professora, mas a maior parte dos meus amigos são-no, ou foram.

Também nunca esqueço os professores que marcaram positivamente a minha vida, e foi com grande mágoa que vi Maria de Lourdes Rodrigues começar a destruir a dignidade de toda uma classe fundamental para o futuro do país, transformando os professores em burocratas stressados e indisponíveis para a cultura e investigação na sua área de trabalho.

Para entender o que vale hoje um professor para o Ministério da Educação, atrevo-me a publicar um (longo) excerto do artigo de António Guerreiro.

Lamento profundamente que tenhamos chegado aqui, mas o que vai escrito é tão exacto quanto indigno:

 “Chegados a este ponto, seria altura de entrar num longo capítulo de descrição do que tem acontecido à mais desventurada e vilipendiada classe profissional: a dos professores. Resumindo bastante uma longa história, podemos dizer que os professores estão desde há bastante tempo sujeitos a estas duas regras que não passam de alíneas nos tratados de domesticação: fazer com que a sua legitimidade não tenha uma fonte mais elevada - por exemplo, o saber, algo que não move nem comove a escola atual - do que a dos próprios gestores do ministério; fazer com que eles não acedam a nenhuma espécie de autonomia. Deste modo, se outrora o tempo de trabalho do professor se dividia entre o tempo controlado e o tempo autónomo, hoje todo o seu tempo de trabalho é controlado (à hora, aliás). A única autoridade que conta hoje na escola é de ordem administrativa. Para perceber isto em toda a sua dimensão (que é a dimensão grotesca da caricatura), basta ler as "normas relativas aos professores vigilantes".

Aí, em quatro páginas de normas, algumas delas insultuosas, fabrica-se o professor como um suspeito, um indivíduo propenso ao crime que é preciso vigiar (ficando assim no lugar do vigilante vigiado), de tal modo que justifica o uso de uma severa linguagem normativa, cheia de proibições (e até incitando, num determinado caso, a que seja policiado), onde é fácil descobrir um paradigma criminológico.

Depois de identificarmos a parte mais visível da máquina implacável que, em todos os domínios, destituiu a autonomia dos professores e os fez entrar numa mecânica da subordinação, poderíamos pensar que lhes resta ainda o poder autónomo que advém da tarefa da correção dos exames.

Nada mais falso. Os critérios de correção, lavrados em verdadeiros tratados (os critérios de correção têm mais páginas do que o enunciado do exame), fundam-se numa ciência para a qual não temas nome parque trata de hipóteses e de "cenários de resposta". Eles preveem tudo - todos os desvios, todas as incorreções, todas as imperfeições e incompletudes das respostas dos alunos - e para tudo o que preveem têm uma quantificação.

Se, ainda assim, o professor, presumindo-se um avaliador competente, quiser operar um pequeno desvio e introduzir o seu critério de quantificação, lago saberá que a grelha Excel onde vai lançando a pontuação das respostas só aceita os números previstos pela ciência que projeta "cenários de resposta".

No fim de todos os mecanismos de vigilância por que passou, há uma grelha Excel que lhe diz que ele não é nada e nunca será nada.” 

António Guerreiro, Atual, 14/07/2012