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quarta-feira, setembro 17, 2014

Cotação zero







 

 
 
 
 
 
 
 
 
A minha amiga Maria, chamemos-lhe assim, é professora.

Não tem filho nem filha, nem pai nem mãe, nem marido nem mulher, nem está numa relação como agora sói dizer-se; só tem um milhão de amigos e amigas.

Gosta de ser professora mas também gosta de fazer muitas outras coisas na vida. À beira dos 50, o senhor ministro propôs-lhe a rescisão do contrato com uma indemnização. Propôs a ela e a todos os outros, visto que, dizia, queria desfazer-se 6000 professores.

Maria arrebitou a orelha e achou que talvez devesse aproveitar o momento para partir para outras “aventuras”. Pensou, pensou muito, conversou com boa parte do tal milhão de amigos. Desses, para aí 99% disseram que ela estava louca porque, se era certo que não tinha ninguém a seu cargo, também era certíssimo que não tinha rede que a amparasse na queda, no caso de tal desastre se verificar.
Uma ínfima parte dos restantes amigos disseram que ela devia fazer o que lhe apetecia fazer, e que estar vivo passa também por correr riscos.

A decisão não era nada fácil.
Maria voltou a pensar, virou as ideias do avesso e tornou a pô-las do direito, chorou, teve palpitações, “rasgou as vestes” da alma, não dormiu, fez contas, disse que sim e logo que não, sofreu que nem uma danada e poucos dias antes de fazer os 50 anos, em Fevereiro de 2014, e porque isso lhe era mais vantajoso em termos de indemnização, assinou o papel dizendo ao senhor ministro que sim senhora, lhe ia desamparar a tenda como ele tanto queria.

Ela sabia que teria de ficar na escola até final do ano letivo, e isso era normal e sensato.

Chegado o fim do mês de Julho, e o início das férias, Maria despediu-se dos colegas. Todas as angústias voltaram por esses dias e houve muito choro, ranho, beijos, abraços, flores, discursos, despedidas sentidas e mensagens de afecto desejando sucesso na vida futura, porque, não esqueçamos, Maria tem um milhão de amigos e amigas também entre os colegas.

Voltou, portanto, a ser emocionalmente muito duro mas “estava feito”.

Maria não partiu de férias numa viagem para longínquas paragens como de costume, antes começou a saga de contar os tostões. E também de esperar um email do patrão ou um telefonema da escola a dizer que tudo estava pronto para a assinatura de rescisão de contrato.

Mulher de boa índole e carácter sem o mais pequeno aleijão, esperava confiante. Esperava e ainda espera, só que agora já dentro da escola, a dar aulas às seis turmas que lhe foram atribuídas.

As nossas vidas têm vindo a desvalorizar-se há muito tempo mas, com o actual governo, o seu valor caiu tão baixo que deixaram, sequer, de ter cotação.

Secretamente, ainda não perdi a esperança de um dia os ver pagar por isso.

segunda-feira, outubro 29, 2012

Professor-modelo

O que é um professor-modelo?
O que é um médico-modelo?
O que é um metalúrgico-modelo?
O que é um padeiro-modelo?

Eu não sei, mas um iluminado e variado painel de respeitáveis cabeças, sob os auspícios do DN e duma empresa portuguesa de nome inglês, acha que o sabe, e vai escolher o professor-modelo, ou o professor do ano.

O referido painel é um verdadeiro melting pot - Adriano Moreira, Viriato Soromenho-Marques, Roberto Carneiro. Alice Vieira e o inevitável presidente das associações de pais, Albino Almeida (tudo ao molho e fé em deus!).

Porquê os professores? Trata-se, porventura, duma profissão em perigo de extinção como os amola-tesouras, dum subgrupo dos humanos, ou dum remeloso grupelho em que encontrar um “modelo” é como encontrar agulha em palheiro?

Distinguir um professor por ano parece-me uma brincadeira de mau gosto, desrespeitosa, até, para com os milhares de professores, competente e empenhados, que temos.

Se não fossem eles, a escola, no seu conjunto, sujeita permanentemente a experimentalismos e taras políticas, já teria dado um enorme estoiro.

A eleição de miss-qualquer-coisa sempre serviu, exclusivamente, para alimentar vaidades pessoais, e o que os professores exigem, e merecem, é respeito e condições de trabalho, coisas que cada vez têm menos.

E a defesa da escola pública também passa por aí.
Eu não gosto nada da eleição do caniche mais lindo da pradaria.
Eu gosto muito dos professores.


segunda-feira, julho 16, 2012

Os professores


Confesso que tenho por hábito não perder nada do que António Guerreiro escreve no Atual do Expresso e, que me lembre, as minhas expectativas nunca saíram defraudadas.

Na última edição do jornal, escreve um longo artigo em que analisa os exames do 12º ano, a que deu o título “Os exames e a comédia do rigor”.

É um texto que merece ser lido por todos, os que estão no sistema de ensino e os que estão de fora mas que gostam de opinar sobre o que não conhecem.

Como declaração de interesses, esclareço que nunca fui professora, mas a maior parte dos meus amigos são-no, ou foram.

Também nunca esqueço os professores que marcaram positivamente a minha vida, e foi com grande mágoa que vi Maria de Lourdes Rodrigues começar a destruir a dignidade de toda uma classe fundamental para o futuro do país, transformando os professores em burocratas stressados e indisponíveis para a cultura e investigação na sua área de trabalho.

Para entender o que vale hoje um professor para o Ministério da Educação, atrevo-me a publicar um (longo) excerto do artigo de António Guerreiro.

Lamento profundamente que tenhamos chegado aqui, mas o que vai escrito é tão exacto quanto indigno:

 “Chegados a este ponto, seria altura de entrar num longo capítulo de descrição do que tem acontecido à mais desventurada e vilipendiada classe profissional: a dos professores. Resumindo bastante uma longa história, podemos dizer que os professores estão desde há bastante tempo sujeitos a estas duas regras que não passam de alíneas nos tratados de domesticação: fazer com que a sua legitimidade não tenha uma fonte mais elevada - por exemplo, o saber, algo que não move nem comove a escola atual - do que a dos próprios gestores do ministério; fazer com que eles não acedam a nenhuma espécie de autonomia. Deste modo, se outrora o tempo de trabalho do professor se dividia entre o tempo controlado e o tempo autónomo, hoje todo o seu tempo de trabalho é controlado (à hora, aliás). A única autoridade que conta hoje na escola é de ordem administrativa. Para perceber isto em toda a sua dimensão (que é a dimensão grotesca da caricatura), basta ler as "normas relativas aos professores vigilantes".

Aí, em quatro páginas de normas, algumas delas insultuosas, fabrica-se o professor como um suspeito, um indivíduo propenso ao crime que é preciso vigiar (ficando assim no lugar do vigilante vigiado), de tal modo que justifica o uso de uma severa linguagem normativa, cheia de proibições (e até incitando, num determinado caso, a que seja policiado), onde é fácil descobrir um paradigma criminológico.

Depois de identificarmos a parte mais visível da máquina implacável que, em todos os domínios, destituiu a autonomia dos professores e os fez entrar numa mecânica da subordinação, poderíamos pensar que lhes resta ainda o poder autónomo que advém da tarefa da correção dos exames.

Nada mais falso. Os critérios de correção, lavrados em verdadeiros tratados (os critérios de correção têm mais páginas do que o enunciado do exame), fundam-se numa ciência para a qual não temas nome parque trata de hipóteses e de "cenários de resposta". Eles preveem tudo - todos os desvios, todas as incorreções, todas as imperfeições e incompletudes das respostas dos alunos - e para tudo o que preveem têm uma quantificação.

Se, ainda assim, o professor, presumindo-se um avaliador competente, quiser operar um pequeno desvio e introduzir o seu critério de quantificação, lago saberá que a grelha Excel onde vai lançando a pontuação das respostas só aceita os números previstos pela ciência que projeta "cenários de resposta".

No fim de todos os mecanismos de vigilância por que passou, há uma grelha Excel que lhe diz que ele não é nada e nunca será nada.” 

António Guerreiro, Atual, 14/07/2012


terça-feira, setembro 06, 2011

O frenesim do professor Nogueira

Nunca vi um ministro tratar tão mal um sindicalista como Maria de Lourdes Rodrigues tratou Mário Nogueira da FENPROF. Lembro-me de um célebre e animado Prós e Contras (ou prós e prós, como se preferir) em que a ministra respondeu às questões colocadas por todos os participantes e, olimpicamente, ignorou Mário Nogueira como se ele nem lá estivesse.
Nesse tempo estava imbuída do espírito Thatcher e achava que ia “partir a espinha aos sindicatos”
Mário Nogueira manteve a compostura, passado algum tempo pôs 100 000 professores na rua e a Dra. Rodrigues encostou às boxes em 2009 depois de se arrastar penosamente já com o motor gripado e os pneus esfarrapados.
Mário Nogueira, seguindo a cartilha, certamente dirá que as grandes realizações são sempre do colectivo; porém, lá bem no seu íntimo não terá acreditado um pouco que aquelas manifestações foram também um êxito pessoal, e que conseguiria pôr 100 000 na rua cada vez que quisesse?
Puro engano. Os professores foram para a rua porque estavam profundamente feridos no seu orgulho pessoal e de classe, transformados em mangas-de-alpaca da senhora ministra, veladamente acusados de classe preguiçosa e cheia de mordomias imerecidas. Muitos nunca lá tinham estado, nem nunca tiveram qualquer ligação ao sindicato, e este apenas organizou (bem) um enorme descontentamento
Não sei se Mário Nogueira percebeu isto ou não, só sei que, desde aí, desatou a marca protestos atrás de protestos (o próximo é dia 16 de Setembro), sem cuidar de saber se há “condições objectivas e subjectivas” para os realizar com êxito, isto é, com impacto social, grande adesão, e no tempo certo; em suma, vai banalizando o próprio protesto. Afigura-se-me que este imoderado frenesim vai fazer com que também ele, a prazo, encoste às boxes com o motor gripado e os pneus em frangalhos.
Será uma pena. Bons sindicatos e bons sindicalistas fazem agora mais falta do que nunca.